Foi apenas um olhar, casual e fugaz. Mas fora
suficiente...
Quando desci do trem eu percebi que ele estava
atrás de mim.
Resolvi parar porque era um local público cheio
de pessoas e fiquei preocupada caso ele continuasse o passo, pois me ocorreu
que apesar da boa aparência era um estranho e as ruas eram isoladas.
Ele quis me conhecer. Eu lhe disse que estava
apressada pois estava indo para uma consulta. Na verdade, eu menti, pois já estava voltando para
casa e como ainda era cedo, tinha todo o tempo do mundo...
Mas eu estava ressabiada com os homens. Meu
casamento não fora exatamente um mar de rosas...
Ele disse que seria breve e não me tomaria mais
que alguns minutos. Eu o achei simpático, mas tinha um brilho no olhar
profundo e enigmático...
Fiquei um pouco constrangida com aquele olhar
penetrante, mas procurei não demonstrar e aceitei a sua companhia. Ele avistou
um comerciante ambulante a poucos metros e perguntou se eu gostava de
pipocas... Eu comecei a rir da pergunta porque não esperava por isso, nunca
poderia imaginar que aquele homem me parasse para oferecer pipocas.
Entre surpresa e divertida eu disse que sim, e
lá foi ele atrás de dois sacos grandes de pipocas coloridas que exalavam um
aroma delicioso. E confesso que adorei.
Neste espaço também havia bancos onde
resolvemos sentar para comer as pipocas e conversar. Na verdade, já havia
passado muito mais tempo do que eu pretendia, mas a companhia dele foi tão agradável que
nem percebi o tempo passar.
Seu nome era Dário, trabalhava
com representação e comércio de alimentos, era divorciado, não tinha filhos e morava sozinho. Seu
relato me pareceu convincente e nesta altura eu já me sentia tranquila e
interessada. Conversamos um pouco mais e descobri que Dário era um apaixonado
por música, seu gosto musical era o mesmo que eu, e gostei dessa afinidade.
Quando me dei conta já estávamos conversando há
quase meia hora e me levantei para não cair em contradição. Precisava ir,
embora meu coração nessa altura já pedisse para ficar eu mantive a decisão, e
logo agradeci a companhia, a pipoca e me despedi. Neste momento ele se
aproximou mais e me deu um beijo no rosto que eu tomei como uma gentileza.
Fui
embora com a sensação da despedida e o pensamento desconfortável que talvez
nunca mais voltasse a ver aquele homem.
Quando
cheguei em casa ainda pensava nele, suspirei fundo e refleti que fora apenas um
momento e que a investida dele fora apenas de gentileza, talvez quisesse conversar com alguém, pois se tivesse algum outro interesse por mim, teria me dado ou solicitado um contato.
Procurei desviar estes pensamentos e resolvi pôr uma música e tomar um banho, assim ficaria
mais relaxada e não pensaria mais nisso.
Eu
vestia uma calça comprida com uma blusa de linho e uma jaqueta por cima. O
clima estava de outono e como saí muito cedo resolvi vestir um abrigo. Joguei
as roupas numa cadeira como fazia sempre que ia para o banho e algo me chamou atenção, um papel pequeno que caía do bolso da jaqueta. Me agachei para pegar e percebi
que era um cartão, de boa qualidade, com um nome e telefone bem
visíveis, Dário Emanuel...
Não
sei exatamente porque, mas senti me feliz. Algo me dizia que aquela história teria outros
capítulos. Sorri...
Dois
dias depois resolvi ligar, afinal de contas já poderia considerá-lo quase um
amigo e além disso a parte dele já fora feita, cabia a mim agora tomar a
atitude. Ele
me atendeu prontamente e disse para minha satisfação pessoal que estava esperando a minha ligação.
A
partir daí passamos a nos ver com frequência, Dário passou a frequentar minha
casa e o nosso relacionamento fortalecia cada dia mais. Tudo era tão perfeito entre nós que eu tinha a sensação que vivia um sonho, e como toda mulher romântica, um sonho de amor, onde eu já podia
enxergar dois travesseiros juntos.
Algum tempo depois, nosso relacionamento já estava bem sério e ele comentou que já era o momento para eu conhecer sua família que moravam em outra cidade. Eu concordei pois queria muito conhecer meus futuros sogros e a irmã de Dário. Afinal de contas, muito provavelmente, logo eu estaria fazendo parte do grupo familiar e meu
coração exultava de felicidade.
Dário falava com muito carinho de todos, e
casualmente, uma vez me disse que amava muito a irmã, que
ela estava atravessando um probleminha particular, mas confiava que tudo iria ficar bem. Não tocamos
mais no assunto e eu arquivei esse comentário.
Certa ocasião eu comecei a perceber que Dário andava
tenso. Há alguns dias se mantinha meio disperso, calado, e senti que havia
algo errado. O que estaria acontecendo com ele?
Era estranho, tínhamos o hábito de
falar tudo um para o outro.
Comecei a interroga-lo, mas ele resistia e não me contava. Usou como desculpa o trabalho,
que andava cansado e precisava descansar. Os dias foram passando, Dário se
mantinha do mesmo jeito e suas visitas já não traziam aquele sorriso que eu
amava tanto. Ele estava diferente. Minhas anteninhas do ciúme me diziam
que algo estava acontecendo, mas algo que eu não atinava... Outra mulher? Talvez... Geralmente é o que
acontece, mas ele sempre fora tão sincero... Não era o seu perfil esse tipo de
coisa.
E além disso, a nossa intimidade era a mesma. Tudo estava normal entre
nós, não notava nada diferente. A mesma paixão, o mesmo desejo...
De qualquer forma eu sempre soube, em conversas com amigos, que há homens assim, mantém
relacionamentos sexuais com outras mulheres sem nenhum problema e sem
demonstrar nada para a parceira.
Mas a semente foi plantada, e cada vez mais tomando
força em minha mente.
Os dias foram
passando, mas com a mente em ebulição eu também já estava diferente, me sentia insegura e tinha a curiosidade em saber se ele tinha outra pessoa. Nessa altura nossa relação já não era mais a mesma...
Mas então
porque não terminava nossa relação?. Não éramos casados ainda, não tínhamos
filhos, compromissos podem ser desfeitos, se não havia nada que o prendesse
a mim porque ele não se abria comigo?
Vinha habitualmente me ver, ligava todos os fins de tarde
para saber se eu estava bem e perguntava como fora meu dia de
trabalho, como sempre fazia.
Foi quando tive uma ideia, já que Dário não me
falava o que estava acontecendo, resolvi que então eu iria descobrir, do meu jeito...
Passei a segui - lo. Durante três dias não vi nada de estranho, no
quarto dia ele parou o carro num estacionamento de um shopping. E uns vinte minutos
depois ele saiu com um embrulho na mão. Meu coração batia descompassado, como
se falasse: - Deve ser um presente para ela... Hoje saberei a verdade...
Segui o carro dele que tomava por uma estrada
que eu não conhecia, quase 50 minutos depois ele entrava em outro
estacionamento, mas dessa vez, estranhamente, era um estacionamento de um hospital. Eu respirei
fundo, mas com outra sensação, o que estava acontecendo?
Me parecia intrigante Dário se dirigir a um hospital
carregando um embrulho, em suas mãos...
Por alguns instantes me ocorreu que estava
sendo invasiva, que não deveria estar ali, mas minha curiosidade me dizia que
agora já estava feito e que eu iria até o fim, afinal de contas ele não me disse o que estava acontecendo.
Esperei um tempo até que ele sumisse das minhas
vistas e eu pudesse fazer algumas perguntas na portaria de entrada.
Quando cheguei à porta, percebi que era uma
entrada de visitas para enfermos do setor de oncologia, mas entendi que eu não
poderia entrar, pois não estava autorizada.
Resolvi voltar para o carro e ficar esperando.
Ia confrontá-lo, ali mesmo, para que ele me contasse a verdade. Não podia mais
recuar.
Algum tempo depois,
que me pareceu uma eternidade, Dário saiu pela mesma porta, mas dessa vez não
estava sozinho. Vinha acompanhando de uma moça, de cabelos longos e soltos, apenas preso por um turbante, bem bonita, alegre, parecia
atraente, com os braços apoiados em volta dos ombros dela, abraçando-a, com uma
expressão que eu não consegui decifrar. Naquele momento, o poder do ciúme tomou
conta de mim e não raciocinei mais, senti-me mal, e só tinha no pensamento a
certeza de que ele estava me traindo, me enganando, covardemente... Minha mente fervilhava, os pensamentos confusos e mil perguntas se confundiam em minha mente...
Talvez aquela moça trabalhasse ali no hospital
e ele veio busca- la.... Talvez fosse um amor antigo... Talvez fosse a sua ex, pelo que sabia ela tinha cabelos longos....
Talvez... Talvez... Minha mente ia explodir.
Não considerei mais nada, em minha cegueira
alimentada pelo
ciúme, eu só via o que eu achava ver, foi então
que bati uma foto, eu precisava dessa prova. Ele não teria como desmentir que TINHA
OUTRA MULHER, nunca mais ia querer saber desse homem.
Resolvi voltar pra casa. Não tinha mais nada a
fazer ali, porém, precisava sentar-me um pouco
para me recompor e não fazer nenhuma bobagem.
Fiquei ali algum tempo, com a cabeça baixa apoiada
entre as mãos, chorando, mas decidida a terminar tudo, se essa era a
dificuldade dele, eu iria ajudá-lo. Não queria vê-lo mais. Eu ia pedir minhas
férias no trabalho e fazer uma viagem, sair para longe, ordenar meus
pensamentos, acalmar meu coração.
Quando cheguei em casa, ele já estava lá, encostado no sofá, com a televisão ligada, tranquilo, porém absorto, como sempre.
Não falei nada, apenas fui para o quarto e
liguei a internet. Queria pesquisar algum lugar para viajar. Nesse momento
Dário bateu a porta e perguntou se estava tudo bem. Eu disse que sim, apenas estava com dor de cabeça e queria ficar um pouco sozinha.
Ele me disse então que iria embora, para que eu descansasse e respondi que sim, no dia seguinte nos veríamos.
Antes dele sair, tive o cuidado de pedir a ele que deixasse a cópia da chave do meu apto,
alegando que a minha estava com defeito, e que eu iria fazer uma cópia. Tudo previamente calculado.
Procurei não demonstrar nada porque naquele momento não estava
preparada para aquela conversa. Seria muito difícil para mim, e também não
queria que ele me visse tão fragilizada.
Tirei a aliança do dedo e coloquei dentro de um envelope junto com a foto da prova aos cuidados dele e deixei com o porteiro. Já era um começo para libertar-me. Depois eu resolveria o restante desse assunto, Por ora, eu só queria sair
dali.
Mecanicamente, comecei a arrumar algumas roupas
na bolsa de viagem, peguei algumas coisas de higiene, pus a mochila nas costas
e saí. Comecei a caminhar e peguei um ônibus até a rodoviária... E ali mesmo
decidi que iria para uma cidade do interior, distante, onde eu pudesse me
isolar do mundo. Durante a viagem tentei inutilmente dormir, mas só meus olhos
permaneciam fechados, a mente era um turbilhão. Via Dário com aquela moça e não
conseguia parar de pensar... Quem seria ela? Como se chamava? Era mais bonita? Mais inteligente? Onde a conhecera? Porque não me contou? Onde foi que eu errara? As perguntas iam e vinham em desordem e a mente não descansava.
Algumas horas depois, acho que o cansaço venceu, e o
sono tomou conta. Só acordei quando já chegava no final da viagem e dali eu
seguiria para o hotel. O dia já amanhecia lindo, o sol brilhava no horizonte,
mas nada combinava com os meus sentimentos. Me sentia, feia, triste, enganada,
idiota...
Quando me instalei, após descansar um pouco,
encontrei forças para ligar no trabalho,
dar uma desculpa, e pedir para afastar-me por alguns dias.
O hotel também era bonito, a paisagem maravilhosa
convidava a uma estadia maravilhosa, mas, inevitavelmente, eu pensava como
seria lindo estar com ele ali naquele lugar. Talvez em nossa lua de mel... Tentava afastar estes pensamentos a qualquer custo e passei o dia conhecendo o lugar e procurando não pensar. Meu coração estava
pesado, mas eu me apegava a esperança de que tudo ia passar, o tempo me
ajudaria.... Desliguei completamente o celular e joguei num canto qualquer, não
queria nenhuma relação com o passado e nenhum contato com pessoas. Aqueles dias
seriam somente eu e as minhas reflexões.
Quase um mes depois, eu estava me sentindo
renovada, pronta para encarar a realidade de cabeça erguida. Era hora de
voltar!. Nenhum homem merecia eu me anular para a vida!
Quando cheguei em casa as lembranças tomaram
conta e o coração bateu forte, mas não ia enfraquecer agora, respirei fundo e
abri a porta.
Tudo parecia igual, como se nada tivesse acontecido, por alguns segundos meu coração ficou apertado, mas eu sabia que nada estava igual. Eu
não era mais a mesma pessoa. Dali pra frente eu iria conviver somente comigo, com a minha vida e tinha que focar nisso... Talvez fazer alguns cursos e me dedicar mais ao trabalho... O tempo iria me ajudar. Nesse período de reclusão, cheguei a conclusão que os
homens eram uma grande farsa, mas ninguém mais iria me enganar, eu nunca mais me deixaria envolver e sofrer por nenhum homem.
Decidi conectar o celular. Como o previsto, havia muitas mensagens dele. Apesar da curiosidade achei melhor não ler e apagar tudo. Não queria mais
confundir minha mente e sofrer. Para mim tudo já estava resolvido.
Voltei a trabalhar na segunda feira seguinte. Alguns recados me esperavam.
Eu praticamente não ouvia o que me falavam, mas
não tinha como ser indelicada com meus colegas. Um dos recados me chamou atenção.
Minha amiga e parceira de trabalho, Marina, me disse que tinha um recado muito sério para mim, que era realmente importante. Eu percebi que ela estava angustiada e sem prestar
muita atenção lhe disse: - Pois que fale então. O que você quer me contar, vamos lá.
- Dário perdeu a irmã, ela estava com câncer e
fazia tratamento em um hospital próximo a cidade. Ele estava muito triste!
Não escutei o restante, meu impulso foi sair correndo como
louca, pedir a Dário que me perdoasse... Meu Deus,como fui injusta, fiz um prejulgamento, havia me precipitado. Deveria ter conversado com ele, ouvir sua explicação, mas não, me permiti
julgar apenas por uma cena, que analisando agora, não dizia absolutamente nada,
ele apenas passara os braços pelos ombros de uma mulher e juntos riam de alguma coisa que eu, só agora, podia entender. Provavelmente fosse para amenizar a tristeza dos seus corações.
Quando finalmente o encontrei, ele me olhou profundamente, mas não era aquele olhar que conheci, tinha um olhar entristecido e parecia não estar contente com a minha visita. Tinha o semblante
fechado.
Era óbvio que não gostou de me ver.
Eu falei primeiro:
- Me perdoa meu amor...
- Por favor, vamos conversar.
Ele ficou calado por um tempo que me
pareceu uma eternidade, não disse uma palavra, apenas pegou seu casaco e saiu. Essa foi a minha resposta, e ficou bem claro pra mim.
Naquele instante senti o peso da minha atitude.
Eu perdera o amor da minha vida por minha própria culpa.
Chorei rios de lágrimas, mas já não tinha como
voltar no passado.
Eu não confiei nele, minha neurose foi alimentada
pelo ciúme e me fez ver tudo errado.
Resolvi deixar o tempo passar, eu ia lutar pelo
nosso amor, mas agora não devia forçar nada, esse tempo era importante para
nós dois, quem sabe com o tempo ele me perdoasse.
Quase dois meses depois o telefone tocou, era
ele. Tinha certeza que tudo ia ficar bem.
Marcamos para conversar, mas na verdade quem
mais falou fui eu.
Eu lhe disse que nada justificava minha atitude, mas eu tive meus motivos. E que, sinceramente, tudo o que aconteceu fora uma lição para mim mesma.
Ele sorriu levemente, meio enigmático, e me disse:
- A gente consegue consertar um vaso quebrado?
Mesmo que o colássemos, ficariam as marcas e os vincos do golpe sofrido. Você quebrou a confiança que tínhamos um no
outro. Duvidou do meu amor por você e ainda me deixou no pior momento da minha
vida. Eu não te contei porque ela não queria que ninguém soubesse, pensava sempre que ia se curar e eu respeitei isso. Mas é difícil consertar nossas vidas somente com palavras e desculpas.
Eu estou aqui porque, apesar de tudo e, exatamente o oposto do que fez, quero me despedir de você. Você foi muito importante pra mim mas acabou.
Felicidades.
Me deu um beijo no rosto e se foi.
Em meu íntimo eu sabia que ele nunca mais voltaria!
A vida nos dá lições todos os dias. Um relacionamento só sobrevive se houver confiança.
Senti um aperto no coração mas entendi que o meu erro fora imperdoável!